“Está bem próximo o dia em que não haverá mais professores e todas as escolas serão fechadas. É a marcha do progresso e alguém aí é contra o progresso? Há quem seja, há quem seja, mas, como o progresso está progredindo cada vez mais, em breve ele mesmo se encarregará de acabar com essa praga.
Sim, é um grupo inútil, o dos professores. É caro, ainda por cima. As mensalidades das chamadas boas escolas custam mais do que um tênis importado. E um tênis importado, todos sabem, dura mais do que qualquer frase num quadro-negro.
Sem dúvida, um grupo inútil e que não entende entre si. A maioria se limita a reproduzir um saber que já se sabe há séculos. São papagaios. E, como os papagaios, estão em extinção. E há outro grupo, pequeno e ativo, que vive questionando os valores mais banais da sociedade. São os criadores de desajustados. E quem precisa de criadores de desajustados?
Já estão quase extintos os professores de geografia. Óbvio, ninguém quer saber onde ficam outros povos e países. A menos que por lá haja empregos ou que seja um lugar cheio de riquezas e valha à pena invadir. Mas para esses objetivos há cadernos de classificados e exércitos, muito mais eficientes do que professores numa sala de aula apontando com suas varetas mapas já descoloridos. Você gosta de argumentar, não é? Você deve ser professor. Mas eu lhe digo que, no mundo de hoje, para ser curioso é preciso ter dinheiro, muito dinheiro. Quem luta desesperadamente pela sobrevivência não tem tempo nem disposição para ter curiosidade. E quem tem dinheiro mata sua curiosidade geográfica fazendo turismo, que é muito mais interessante do que assistir aulas.
Também não há mais necessidade de professores de línguas. Primeiro pela absoluta inutilidade de falar francês, alemão, espanhol, vietnamita, quarenta dialetos do interior da China ou qualquer outra língua que não seja o inglês. Você vai perguntar por que, eu vou ter certeza de que você é um professor e nem vou responder. Com licença, onde eu estava mesmo? Ah, no inglês! Para aprender inglês, basta torná-lo língua oficial do nosso país ou mesmo do planeta todo. É o Mundo livre, livre inclusive de um amontoado de dialetos que vêm sempre acompanhados de reivindicações de liberdade e autonomia ou até de algum grupo de terroristas jogando bombas. E, sendo o inglês língua oficial, será falado em todos os lugares, será nossa nova língua materna; e seguindo o velho ditado de que mãe é quem cria, não haverá necessidade de nenhum professor para ensiná-lo. E, se não se ensinará o inglês quem dirá o português, que será reduzido a uma gíria de guetos, falado apenas nas cadeias e por uma ou outra cantora metida à popular.
Também não precisaremos de professores de matemática, ciências, filosofia ou até educação física. Ouço alguém perguntando por que. É você de novo, não é, meu caro professor? É típico! Professores adoram perguntar. A humanidade tem pilhas de séculos de perguntas feitas por vocês. Mas agora, meu caro e inútil amigo, precisamos é de respostas. Simples, práticas, diretas. Aquelas respostas que vocês, professores, não sabem dar ou não querem, não gostam, não foram treinados para isso, ou outra explicação que você certamente tem e quer me dar, levantando o dedinho aflito para pedir a palavra. Sinto muito, mas pode abaixar o dedinho, seu tempo acabou, o sinal tocou, pode ir para casa e não precisa voltar. Mas, antes escute mais um pouco.
O mundo hoje é prático e lucrativo. Enquanto vocês defendem o ensino público e gratuito, o mundo deseja tudo privado e o mais caro possível, com belas embalagens e anúncios na televisão. Bilhões de pessoas lutam por isso com unhas e dentes. Você não vê diariamente essa gente toda na rua, se matando?Acha que eles estão se matando por quê? Para encontrar as respostas às suas perguntas?
Nós, aqui, no terceiro mundo, por exemplo. Somos invadidos e escravizados? Sim, é claro. E, mais do que isso, é ótimo! Porque também podemos invadir e escravizar países menores, que também encontrarão outros, minúsculos, e os invadirão. Sempre há alguém mais fraco, sempre. Essa é a nova democracia. Dinâmica, cheia de trocas, sem filosofias e nem histórias. Filosofias levam muito tempo e não chega a lugar nenhum, chegam apenas a palavra. Dignidade, ética, justiça. Isso não vende um centavo. História? Quem fica olhando o passado não constrói o futuro. Pirâmides? Nunca ouvi falar! Vejo apenas umas pilhas de pedras, que podem ser bombardeadas ou transformadas em um bom muro para evitar invasões.
Você se calou? Ora, não fique triste, as profissões terminam um dia. Ânimo, até a vida humana vai terminar um dia! Lembra dos escribas da Idade Média que copiavam os livros gregos e romanos e detinham todo o saber do Ocidente? Gutenberg criou a imprensa e acabou com eles. Com vocês está acontecendo algo parecido. Criamos uma tecnologia que não precisamos mais de pensamento. Precisamos de dedos, muitos dedos, dedos ágeis, firmes, sem dúvidas, para apertar botões nas fábricas e escritórios e contar dinheiro nos bancos. E dedos e botões não precisam de professor. Portanto, você pode ir para casa contar sua história para seus netos. Eles vão rir um bocado, do avô doido que têm”.
*** César Cardoso, adaptado da Revista CAROS AMIGOS, agosto de 2004.
Ps.: Pelas últimas ações de nossos governos, tanto na escala Municipal, Estadual ou Federal, deve ser ISTO MESMO que eles estão pensando e fazendo. O nome disto é MEDO. Professores Têm Idéias. E IDÉIAS SÃO SEMENTES QUE NÃO PARAM DE CRESCER. Parabéns e AVANTE, CLASSE!
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